quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Conciderações Finais

Os dados apresentados neste artigo sugerem dois pontos fundamentais: há a necessidade de se dar mais ênfase aos estudos epidemiológicos no Brasil, não só com a ampliação, como também a renovação sistemática dessas pesquisas. O álcool, certamente, contribui fortemente na etiologia e manutenção de vários problemas sociais, econômicos e de saúde enfrentados em nosso país.

Indicadores epidemiológicos

1.Internações hospitalares por dependências de drogas
O mais recente e abrangente desses estudos é o de Noto et al. (2002). Esses autores obtiveram dados junto a hospitais e clínicas psiquiátricas de todo o Brasil, no período de 1988 a 1999. O álcool foi o responsável por cerca de 90% de todas as internações hospitalares por dependências, variando de 95,3%, em 1988 – o que equivale, em números absolutos, a 62.242 internações, contra 4,7% (3.062) de todos os outros diagnósticos de internações por substâncias psicoativas) –, a 84,4%, em 1999. A queda das internações por alcoolismo, na década de 90, pode simplesmente refletir uma ênfase, cada vez maior, no tratamento ambulatorial. Porém, infelizmente, o país não dispõe dessas estatísticas.
2.Dados do Instituto Médico Legal (IML) – Criminalidade
Nappo et al. (1996) avaliaram os laudos cadavéricos do IML de São Paulo, de 1987 até 1992, totalizando 120.111 laudos. Um total de 18.263 laudos foi positivo para a alcoolemia, com uma média de 2.605 casos positivos por ano. Duarte e Carlini-Cotrim (2000) analisaram 130 processos de homicídios ocorridos entre 1990 e 1995, na cidade de Curitiba. Os resultados mostraram que 53,6% das vítimas e 58,9% dos autores dos crimes estavam sob efeito de bebidas alcoólicas no momento da ocorrência criminal.
3.Álcool e acidentes de trânsito
O mais amplo estudo sobre acidentes de trânsito e uso de bebidas alcoólicas foi realizado, em 1997, pela AB DETRAM – Associação Brasileira dos Departamentos de Trânsito –, em quatro capitais brasileiras: Brasília, Curitiba, Recife e Salvador. Nele, das 865 vítimas, 27,2% apresentou alcoolemia superior a 0,6 g/l, limite permitido pelo Código Nacional de Trânsito de 1997.
Outro importante estudo realizado, em 1995, pelo Centro de Estudos do Abuso de Drogas (Cetad/UFBA), correlacionou o consumo de bebidas em situações de lazer; ou seja, foram entrevistadas pessoas em bares e na orla marinha de Salvador, onde constatou-se que, dos que já tinham sofrido acidentes dirigindo veículos, 37,7% havia ingerido bebidas alcoólicas na ocasião do episódio. Em 1997, o Instituto Recife de Atenção Integral às Dependências (RAID) realizou estudo semelhante ao de Salvador e constatou que 23% dos entrevistados apresentavam alcoolemia de 0,8 g/l. De modo geral, os acidentes de trânsito relacionados à concentração alta de álcool no sangue ocorrem mais freqüentemente à noite e nos fins de semana. Além disso, em sua maioria, os autores são homens jovens e solteiros.
4.Indicadores de mercado de consumo de bebidas alcoólicas
O famoso jurista brasileiro Sobral Pinto, dizia: "Quando o Brasil criar juízo e se tornar uma potência mundial, será a cachaça e não o whisky, a bebida do planeta". Porém, não é a cachaça a bebida com maior consumo per capita em nosso país. A cerveja aparece em primeiro lugar, com 54 litros per capita/ano; depois a cachaça, com 12 litros per capita/ano, seguida pelo vinho, com 1,8 litros per capita/ano. Segundo estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1999), o Brasil está situado no 63º lugar do uso per capita de álcool na faixa etária de 15 anos, entre 153 países, um consumo razoavelmente discreto. Porém, quando a OMS compara a evolução do consumo per capita entre as décadas de 1970 e 1990, em 137 países, o Brasil apresenta um crescimento de 74,5% no consumo de bebidas alcoólicas.
Nota-se um crescente e imperturbável aumento do consumo de cervejas no país, da ordem de 3 a 5% ao ano com uma produção anual, estimada para 2005, de 9.884 milhões de litros. A cachaça teve, em 2002, uma produção nacional de 1,3 bilhões de litros, dos quais 14,8 milhões de litros foram exportados. Já o consumo de vinho teve, em 2000, uma produção de 2,3 milhões de litros.
Convém não esquecer da produção ilegal de bebidas alcoólicas em nosso país. A Associação Brasileira de Bebidas (ABRABE), em 1984, estimava que quase metade do consumo de destilados no Brasil era produzida ilegalmente. Hoje em dia, esses números não são conhecidos.

Levantamentos populacionais específicos

1.Estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio
Os estudos mais amplos, de âmbito nacional, e que apresentaram constância de realização foram os desenvolvidos pelo CEBRID. Foram realizados um total de quatro estudos (1987, 1989, 1993, 1997) nas mesmas 10 cidades, com a mesma metodologia, todos com estudantes de 1º e 2º graus. Nos quatro levantamentos, a cerveja foi à bebida mais consumida, com cerca de 70% dos estudantes relatando seu uso, seguida pelo vinho, com 27%, e destilados, por volta dos 3%. Pode-se notar que o uso na vida de álcool se manteve estável ao longo dos anos, aumentando significativamente apenas em Fortaleza, de 1987 a 1997 (Tabela 3). Quanto ao uso pesado (pelo menos 20 vezes no mês anterior à pesquisa), observou-se um aumento significativo na maioria das cidades estudadas, mostrando uma tendência da juventude em beber com mais freqüência nos últimos anos (Tabela 4). O uso pesado de álcool foi maior nas classes sociais mais elevadas: 10,7% dos usuários pesados pertenciam à classe A; 9,1% à B; 7,6% à C; 6,8% à D e, finalmente à E, a mais pobre, 4,9%. Os usuários pesados de álcool relataram também já terem entrado em contato com outras drogas. Assim, 26,5% deles já usaram solventes; maconha já foi utilizada por 17,3%; tabaco por 14,2%; ansiolíticos por 10,5%; anfetamínicos por 8,1%; cocaína por 7,2%, entre as drogas mais citadas.




2.Estudantes do Ensino Superior
Em 1994, foi publicado um estudo sobre o uso de bebidas alcoólicas entre os estudantes de medicina de duas faculdades: uma em Marília (SP) e outra na cidade de São Paulo. Observou-se que 11,8% dos estudantes do sexo masculino e 1,3% do feminino foram classificados como bebedores-problema; e 4,2% do sexo masculino e 0,8% do feminino como sendo dependentes de álcool. No mesmo ano, 922 estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (RS) foram entrevistados, dos quais 10% tiveram prevalência positiva para o CAGE.
Outro estudo foi publicado em 1996, por Andrade et al., que aplicaram questionários sobre o uso de drogas na Universidade de São Paulo – USP. Os resultados foram separados por áreas de estudo. Assim, o álcool teve uso na vida de 88,6% na área de humanas; 93,3% na de biológicas e 92,6% na área de exatas. Tal qual nos outros estudos, os homens bebem mais que as mulheres; porém, apenas na área de humanas essa diferença foi estatisticamente significante (94% e 84%, respectivamente).
3.Meninos de rua
Os mais constantes destes estudos foram os do CEBRID, que pesquisou essa população em 1987, 1989, 1993 e 1997. Em 1987, observou-se que o uso na vida do álcool, em São Paulo e Porto Alegre, foi de respectivamente, 83% e 71%. No segundo levantamento, realizado em 1989, obteve-se discreto aumento do uso na vida, para 86%, em São Paulo, e 74,5%, em Porto Alegre.
No terceiro e quarto estudos do CEBRID, houve aumento do número de cidades, passando a seis capitais pesquisadas: São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza, Rio de Janeiro, Recife e Brasília. O uso diário de bebidas alcoólicas variou de 7% entre os meninos de rua de São Paulo a nenhum entrevistado em Fortaleza que bebia diariamente. Por outro lado, nas seis capitais, o uso de solventes liderou todas as prevalências. Por exemplo, em Recife, 45,1% desses meninos usavam algum tipo de solvente diariamente.

Epidemiologia do Uso do álcool no Brasil

Os estudos epidemiológicos mais abrangentes do uso de álcool na população geral foram os realizados pelo CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Galduróz et al. (2000) pesquisaram as 24 maiores cidades do Estado de São Paulo, num total de 2.411 entrevistas, estimando que 6,6% da população estava dependente do álcool. Dois anos depois, a mesma população foi pesquisada novamente e constatou-se um aumento estatisticamente significativo para 9,4% de dependentes. Outro amplo estudo domiciliar englobou as 107 cidades com mais de 200 mil habitantes – correspondendo a 47.045.907 habitantes, ou seja, 27,7% do total do Brasil. A amostra totalizou 8.589 entrevistados. Os principais resultados sobre o álcool podem ser vistos nas Tabelas 1 e 2. O uso na vida de álcool na população total foi de 68,7%. Essa proporção se mantém mais ou menos estável para as diferentes faixas etárias, lembrando que, entre 12 e 17 anos, 48,3% dos entrevistados já usaram bebidas alcoólicas.



A prevalência da dependência de álcool foi de 11,2%, sendo de 17,1% para o sexo masculino e 5,7% para o feminino. A prevalência de dependentes foi mais alta nas regiões Norte e Nordeste, com porcentagens acima dos 16%. Fato mais preocupante é a constatação de que, no Brasil, 5,2% dos adolescentes (12 a 17 anos de idade) eram dependentes do álcool. No Norte e Nordeste, essa porcentagem ficou próxima dos 9%.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Cálculo

Média amostral  -  significância x desvio padrão ≤ μ ≤ média amostral +  significância x desvio padrão.
Valor da média amostral é igual a 27,5
Valor do desvio padrão é igual a 0,459
Valor da significância é igual a 0,05
O cálculo é:
27,5 – 0,05/2 x 0,459 μ 27,5 + 0,05/2 x 0,459
27,5 -0,025 x 0,459 μ 27,5 + 0,025 x 0,459
27,5 – 0,011 μ 27,5 + 0,011
27,488 μ 27,511

Continuação da Discussão

O padrão de consumo segundo o sexo vem sendo objeto de discussão pela epidemiologia do alcoolismo. Tem-se descrito aumento na proporção de mulheres que consomem bebidas alcoólicas no período pós-guerra. Além disso, prevalências mais elevadas no sexo feminino de uso diário de álcool, de embriaguez semanal, de "bebedores leves" vêm sendo observadas com alguma consistência. Entretanto, esse aspecto não foi explorado na presente investigação.
Se os resultados observados quanto às variáveis sexo e grupo etário foram coerentes com os dados da literatura, o mesmo não pode ser dito com relação às chamadas variáveis socioeconômicas e culturais. No Brasil, prevalências mais elevadas de alcoolismo foram descritas para as menores faixas de renda per capita e de escolaridade. Entretanto, o presente inquérito mostrou associação entre o uso de álcool e os níveis de renda e escolaridade mais elevados.
Polich e Kaebler ao sumarizarem os resultados de inquéritos realizados nos EUA, entre 1964 e 1979, assinalam que as variáveis socioeconômicas se associam com o uso de álcool e com os problemas a ele relacionados. Segundo esses resultados, a abstinência é mais freqüente em indivíduos de padrão social e econômico mais baixos. Entretanto, entre aqueles que consomem bebidas alcoólicas, os problemas relacionados com o álcool são mais freqüentes nos níveis socioeconômicos inferiores.
Os presentes resultados estão, em parte, de acordo com aqueles sumarizados por Polich e Kaebler pois houve associação entre a abstinência e os níveis de renda inferiores. Entretanto, não é possível afirmar o mesmo quanto ao alcoolismo. Apesar das RPC ajustadas sempre apontarem para uma relação entre alcoolismo e níveis de renda e de escolaridade mais baixos, não foi possível rejeitar a hipótese nula de ausência de associação. Apenas a variável renda mostrou uma significância estatística entre 0,05 e 0,08 referente a RPC não ajustada, isto é, não controlada para variáveis potencialmente "confounding".
Para melhor responder à pergunta sobre associação entre nível socioeconômico e alcoolismo no Brasil são necessários estudos especialmente planejados e desenhados para este objetivo, e não a utilização de dados aproveitados de inquéritos, como tem sido feito até então. Dados assim gerados ressentem-se, entre outras coisas, de um número suficiente de alcoolistas para constituir grupos adequados de comparação. Com isso, análises que utilizam estratificação e modelos multivariados para o controle de variáveis "confounding" ficam prejudicadas e os testes estatísticos perdem poder, isto é, rejeitam mais facilmente hipóteses verdadeiras.
Por outro lado, resultados de investigações conduzidas em outros países devem ser consideradas com cautela. As peculiaridades da estratificação social e econômica no Brasil não devem ser menosprezadas, e variáveis como escolaridade, renda, índices de posse de bens materiais nem sempre guardam relações homogêneas como as observadas em outras populações, sobretudo do primeiro mundo.

Discussão



Se forem levados em conta os poucos estudos nacionais que estimaram prevalência de alcoolismo em população geral, os presentes achados situam-se no extremo inferior do espectro de resultados. Se forem considerados como alcoolistas também os indivíduos que, apesar de não alcançarem 2 pontos no teste CAGE, responderam afirmativamente à questão referente ao consumo de álcool pela manhã, a prevalência passaria de 3% para 3,9%, sendo de 6,3% em homens e de 2,3% em mulheres.
Embora seja recomendável a correção de prevalências obtidas por instrumentos de "screening" a partir dos erros de classificação observados nos procedimentos de validação, optou-se por não adotar este procedimento. A decisão deve-se ao fato do valor preditivo descrito na literatura não se aplicar ao presente caso (estudo em população geral) já que essa medida varia com a prevalência do fenômeno estudado. Mesmo que fossem utilizadas fórmulas de correção que usam como parâmetros a prevalência obtida pelo teste e as proporções de falso-positivo e falso-negativo (que não variam com a prevalência), teríamos que aceitar, na presente investigação, valores de sensibilidade e de especificidade obtidos em estudos realizados em condições distintas. Para reforçar esse ponto de vista, esclarece-se que essa tentativa de correção com dados de outros estudos foi por nós implementada em caráter experimental, resultando em prevalências negativas de alcoolismo.
No Brasil a prevalência encontrada por Santana é a que mais se aproxima dos presentes achados. Entretanto, comparações entre os estudos conduzidos no país esbarram em questões metodológicas, como a utilização de instrumentos diagnósticos distintos. Além desse aspecto, a utilização do teste CAGE como critério de alcoolismo merece cautela por se tratar de um questionário de "screening" e não de diagnóstico final, necessitando também de estudos de validação em âmbito populacional.
Também chamou atenção o fato da proporção de indivíduos que consumiam álcool (52%) ser bastante inferior ao relatado em diversos países: 90% nos EUA, 87% na Austrália, 83% no Canadá e 75% no Equador. No entanto, houve semelhança com a Colômbia e México: 51%. A maior proporção de mulheres entre os entrevistados (60%) não parece ser suficiente para explicar essas discrepâncias.
Os resultados do inquérito estão de acordo com a literatura no que se refere à predominância do alcoolismo crônico no sexo masculino e na faixa dos 30 a 49 anos de idade. Trata-se de um achado que vem sendo consistentemente descrito, mas cuja causa ainda não está devidamente esclarecida. Hipóteses têm sido construídas sobre pressupostos biológicos, sociais, econômicos, culturais. Fala-se, entre outras coisas, no papel social da mulher, na identificação da virilidade com a capacidade de beber, na utilização do álcool como ansiolítico entre os homens, na moral restritiva e estigmatizante do consumo de álcool em mulheres.